Música, etc...

Sunday, October 08, 2006

Síndrome De Alta Fidelidade


Sempre adorei listas, não apenas de música, mas de temas diversos, como cinema, futebol, etc, principalmente aquelas listas bem meticulosas, detalhadas, subdivididas, listas para listas... um tanto neurótico, eu sei.

Eu gostaria de introduzir minhas listas, começando por assuntos que não saem de minha cabeça ultimamente. E lembrando que, existem trocentos items que poderiam estar nessas listas. Criar listas como "os 10 melhores da história" é algo meramente impossível, pois cedo ou tarde você conhecerá algo que poderia "roubar" o lugar de alguns dos finalistas, se é que você já não conhece algo ainda melhor, mas que fugiu da memória... Portanto, ao invés de "os 20 melhores não-sei-o-que-lá da história", colocarei apenas "20 ótimos não-sei-o-lá", sem ordem nenhuma, apenas 20 exemplos, sem intensões visionárias como alguns críticos de rock fazem suas listas de "os 100 álbuns definitivos", ou seja, não pretendo ouvir reclamações de "como colocou fulano na frente de ciclano, você tá louco???". Sem mais delongas...

20 linhas de baixo:

Sempre considerei o baixo um instrumento importantíssimo na música, antes mesmo de ouvir Primus ou Stanley Clarke, enquanto muitos só prestam atenção aos bicordes distorcidos na guitarra. Pasmem, já cheguei a ouvir, de uma menina que trabalhava numa loja de cds, o comentário "Não sei nem pra que serve baixo, nunca noto ele lá na música"... E isso é algo muito comum entre o pessoal, não notar o baixo, só quando o tiramos da música (aquela sensação de que algo está faltando, sabem?). E outra coisa que me incomoda: confundir uma boa linha de baixo com virtuose. Ao contrário da guitarra, o baixo, em muitas vezes, não é o instrumento de frente, mas sim um acompanhamento, algo para enriquecer o som, dar o ritmo, o groove, etc... Mmmm peraí, o groove, essa palavrinha aí é essencial para quem pretende tocar baixo, ou apenas ser um fã do instrumento em questão. O suingue, para quem não sabe o que significa groove, é 90% de um bom desempenho no baixo. Groovy é uma gíria em inglês que caracteriza algo "legal, maneiro, da hora, bem louco, descolado, muito bom", etc., e isso, não por acaso, se encaixa perfeitamente no universo musical.
É claro que baixistas como Billy Sheehan e John Myung são muito talentosos, mas virtuosismo tem hora, e inclusive, é excelente quando usado de forma correta. Agora, masturbação, é algo que se pratica no pênis, e não no baixo.
Voltando ao exemplo da menina que não conseguia notar o baixo muito claramente, eu coloco aqui linhas de baixo que são impossíveis de não serem notadas, sem ordem de importância, porém:

1-Pump It Up - Bruce Thomas (Elvis Costello & The Attractions)
2-Little Green Bag - Jan Visser (George Baker Selection)
3-Flash Light - Bootsy Collins (Parliament)
4-Monday - Bruce Foxton (The Jam)
5-Trilogy - Greg Lake (Emerson, Lake And Palmer)
6-(Looking For The) Heart Of Saturday Night - Jim Hughart (Tom Waits)
7-Scratch - Mark Sandman (Morphine)
8-24 Hours - Peter Hook (Joy Division)
9-In The Cage - Mike Rutherford (Genesis)
10-Voices Inside My Head - Sting (The Police)
11-Live With Me - Bill Wyman (The Rolling Stones)
12-Jerry Was A Race Car Driver - Les Claypool (Primus)
13-Riders On The Storm - Jerry Scheff (The Doors)
14-Anne's Song - Bill Gould (Faith No More)
15-Runaway Boys - Lee Rocker (Stray Cats)
16-In Time - Rusty Allen (Sly And The Family Stone)
17-Badge - Jack Bruce (Cream)
18-Dear Prudence - Paul McCartney (dã)
19-We Gotta Get Out Of This Place - Chas Chandler (The Animals)
20-Nobody Weird Like Me - Flea (The Red Hot Chili Peppers)

Há muitos baixistas que me deixaram numa dúvida cruel sobre qual música sua eu usaria nessa lista. Impossível escolher apenas um álbum do Primus, quanto menos uma música só, nesse quesito de "linhas de baixo". Sailing In The Seas Of Cheese e Pork Soda concorreriam ao cargo de melhores álbums de baixo. E quanto ao Rush, é piada né? Todo álbum, literalmente, todo álbum tem várias candidatas à lista. Sly And The Family Stone tem o Fresh e o There's A Riot Goin' On. O Zenyatta Mondatta, do Police, inteirinho é um álbum de baixista para baixistas. E quanto às linhas mais "sacanas" do mundo, do mestre Bootsy Collins?


20 performances vocais masculinas:

Ah, a essencia da música, a voz, nada mais, nenhum instrumento, nenhum objeto feito pelo homem, apenas o homem em si. E nada é mais insubstituível que um vocalista, não é preciso ser um gênio para notar isso. E são sempre eles que ganham a fama, as mulheres, e a grana. Em muitos casos é injusto, mas em outros...

1-Carpet Crawlers - Peter Gabriel (Genesis)
2-Pink Cigarette - Mike Patton (Mr. Bungle)
3-Tom Traubert's Blues (Four Sheets To The Wind In Copenhagen) - Tom Waits
4-Running To Stand Still - Bono Vox (U2)
5-Just Like You - Bryan Ferry (Roxy Music)
6-Taxman, Mr. Thief - Robin Zander (Cheap Trick)
7-Trilogy - Greg Lake (Emerson, Lake And Palmer)
8-What A Day That Was - David Byrne
9-Suite: Judy Blue Eyes - David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash (Crosby, Stills & Nash)
10-Sad Eyed Lady Of The Lowlands - Bob Dylan
11-In My Room - Brian Wilson, Carl Wilson, Mike Love (The Beach Boys)
12-Whole Wide World - Wreckless Eric
13-Corpus Christi Carol - Jeff Buckley
14-Waiting For The Miracle - Leonard Cohen
15-Talk About The Blues - Jon Spencer (Jon Spencer Blues Explosion)
16-Black Hole Sun - Chris Cornell (Soundgarden)
17-Way To Blue - Nick Drake
18-Unsatisfied - Paul Westerberg (The Replacements)
19-Indian Summer - Calvin Johnson (Beat Happening)
20-Rise Above - Henry Rollins (Black Flag)
20 performances vocais femininas:

Quando eles cantam, você quer ser como eles. Quando elas cantam, você quer estar com elas (ou vice-versa, dependendo da preferência de vida de cada um).

1-Into The Night - Julee Cruise
2-Isobel - Björk
3-There's A Moon In The Sky (Called The Moon) - Kate Pierson e Cindy Wilson (The B-52's)
4-Becuz - Kim Gordon (Sonic Youth)
5-All Tomorrow's Parties - Nico (The Velvet Underground And Nico)
6-Birdland - Patti Smith
7-White Rabbit - Grace Slick (Jefferson Airplane)
8-Oh Oh Chéri - Françoise Hardy
9-Sometimes - Susan Dillane (Death In Vegas)
10-Wuthering Heights - Kate Bush
11-Lorelei - Elizabeth Fraser (Cocteau Twins)
12-Heal It Up - Johnette Napolitano (Concrete Blonde)
13-If Love Is A Red Dress (Hang Me In Rags) - Maria McKee
14-The End Of The World - Skeeter Davis
15-The American Metaphysical Circus - Dorothy Moskowitz (The United States Of America)
16-Another Year - Jennifer Herrema (Royal Trux)
17-Son Of A Preacher Man - Dusty Springfield
18-My Old Man - Joni Mitchell
19-Qualquer coisa saída da garganta da Bilinda Butcher (My Bloody Valentine)
20-To Know Him Is To Love Him - Annette Kleinbard (The Teddy Bears)

20 levadas de bateria:

Pra não repetir tudo o que falei na parte das linhas de baixo, só quero fixar que uma boa levada de bateria não está necessariamente relacionada à quantidade de peças que o fulano tem na sua bateria, nem ao número de vezes que ele toca o seu pedal duplo por segundo...

1-When The Levee Breaks - John Bonham (Led Zeppelin)
2-Painkiller - Scott Travis (Judas Priest)
3-Pictures Of Home - Ian Paice (Deep Purple)
4-Spirit Of The Radio - Neil Peart (Rush)
5-Lust For Life - Hunt Sales (Iggy Pop)
6-Intruder - Phil Collins (Peter Gabriel)
7-Tocatta - Carl Palmer (Emerson, Lake And Palmer)
8-Bombs Away - Stewart Copeland (The Police)
9-Sympton Of The Universe - Bill Ward (Black Sabbath)
10-Among The Living - Charlie Benante (Anthrax)
11-The Ox - Keith Moon (The Who)
12-Seasons In The Abyss - Dave Lombardo (Slayer)
13-White Room - Ginger Baker (Cream)
14-Fire - Mitch Mitchell (The Jimi Hendrix Experience)
15-Battery - Lars Ulrich (Metallica)
16-Tusk - Mick Fleetwood (Fleetwood Mac)
17-Soul Sacrifice (Live At Woodstock) - Michael Shrieve (Santana)
18-21st Century Schizoid Man - Michael Giles (King Crimson)
19-Don't You Ever Wash That Thing? - Ralph Humphrey e Chester Thompson (Frank Zappa)
20-Funky Snakefoot - Alphonse Mouzon

Mesmo caso das linhas de baixo, alguns exemplos são meramente "ilustrativos", uma amostra do que monstros como o Neil Peart, Bill Bruford, Lars Ulrich, John Bonham, etc., sabem fazer...

20 solos de guitarra:

Virtuose, feeling, tapping, bend, slide, hammer-on, pull-off, natural harmonic, whammy bar, arpeggio, tremolo picking, pick slide, sweep picking..........

1.Black Napkins - Frank Zappa
2.Angel Of Death - Kerry King e Jeff Hanneman (Slayer)
3.If 6 Was 9 - Jimi Hendrix
4.Brighton Rock (versão do Live Killers) - Brian May (Queen)
5.Cinnamon Girl - Neil Young
6.I'm Only Sleeping - George Harrison (The Beatles)
7.Midnight - Joe Satriani
8.Cocaine - Eric Clapton
9.Eruption - Eddie Van Halen (Van Halen)
10.Cause We've Ended As Lovers - Jeff Beck
11.Rebel Rouser - Duane Eddy
12.Burn - Ritchie Blackmore (Deep Purple)
13.Tumblin' Dice - Keith Richards (The Rolling Stones)
14.Interstellar Overdrive - Syd Barrett (Pink Floyd)
15.Lightnin' - Vernon Reid
16.Whispering A Prayer - Steve Vai
17.Starless - Robert Fripp (King Crimson)
18.Heartbreaker - Jimmy Page (Led Zeppelin)
19.Stash - Trey Anastasio (Phish)
20.Jessica - Dickey Betts (The Allman Brothers Band)

20 capas:

Sou daqueles que dividem a opinião de que, muitas vezes, a arte da capa de um álbum realça a música contida no respectivo lp, despertando imaginação, envolvimento e muitas outras sensações e opiniões que infelizmente não conseguem ter o mesmo impacto via mp3.

(Quase) sempre julgue um livro pela sua capa:

1.Heartattack And Vine - Tom Waits http://www.sitiotres.com/ficcionalista/imagenes/heartattack_vine.jpg

2.Brain Salad Surgery - Emerson, Lake And Palmer http://www.middian.net/Galerie4/E.L.P/slides/hr_giger_elp_IV.html

3.Blood, Guts And Pussy - Dwarves http://img.epinions.com/images/opti/69/de/98897-music-resized200.JPG

4.20 Jazz Funk Greats - Throbbing Gristle http://www.artistdirect.com/Images/Sources/AMGCOVERS/music/cover200/drd900/d904/d90497csxld.jpg
(acredite, definitivamente não há NADA de Jazz, Funk, contido nesse álbum, e o visual da capa está um tanto irônico também... além disso, esse disco possui 13 faixas, e não 20, que coisa né?)

5.Washing Machine - Sonic Youth http://www.dyingdays.net/Sonic_Youth/Sonic_Youth_Washing_Machine.jpg

6.The Velvet Underground And Nico http://www.zero.co.nz/music/images/The%20Velvet%20Underground%20-%20The%20Velvet%20Underground%20&%20Nico.jpg Repare nas letras miúdas do lado da banana, está escrito "Peel Slowly And See", ou seja, "Descasque lentamente e veja", e de fato, na edição original em lp, essa banana descascava, e ficava assim: http://images.amazon.com/images/P/B000068PNQ.01._AA240_SCLZZZZZZZ_.jpg

7.Beggar's Banquet - The Rolling Stones http://img.search.com/e/ed/300px-Beggarsbanquet.jpg

8.Country Life - Roxy Music http://www.muzieklijstjes.nl/Tips/RoxymusicCountry.jpg

9.Street Survivors - Lynyrd Skynyrd http://www.thebestofwebsite.com/Photos/Music/Lynyrd_Skynyrd/Street_Survivors.jpg Foi lançado pouquíssimos dias antes de metade da banda morrer num acidente de avião, a capa foi então substituída por uma versão mais soft: http://perso.orange.fr/religionnaire/artistes/lynyrd_skynyrd/art/street_survivors.jpg

10.Fear Of Music - Talking Heads http://www.zero.co.nz/music/images/Talking%20Heads%20-%20Fear%20Of%20Music.jpg Pode parecer um tanto simples aqui no pc, mas acontece que a capa original do lp vem com essas "fendas" em relevo de verdade, você passa a mão e sente... Maior barato.

11.Electric Spanking Of War Babies - Funkadelic http://images.amazon.com/images/P/B000003B1F.01._SCLZZZZZZZ_.jpg Um tanto piegas hoje em dia, mas foi censurada na época, e eu adoro um barraco...

12.We're Only In It For The Money - The Mothers Of Invention http://real1.phononet.de/cover/small/329/050/0ed21h9z.j31 Nem precisa dizer o que isso causou na época né? O disco teve seu lançamento atrasado de 67 para 68, por questões judiciais, devido ao fato do Sgt. Pepper's ser até então um tanto recente. Até que o combinado foi que essa capa foi parar dentro do gatefold do lp, e a parte de dentro foi pra fora...

13.Munki - Jesus And Mary Chain http://www.zero.co.nz/music/images/The%20Jesus%20&%20Mary%20Chain%20-%20Munki.jpg

14.Flowers Of Romance - Public Image Ltd. http://images.amazon.com/images/P/B000005JAC.01.LZZZZZZZ.jpg Repare na semelhança com a anterior, tentei ser o mais eclético possível, mas essas capas são demais...

15.It's A Beautiful Day http://www.progarchives.com/progressive_rock_discography_covers/1397/cover_42522030102004.jpg

16.Tonight's The Night - Neil Young http://eil.com/Gallery/102077.jpg

17.Remember You're A Womble - The Wombles http://www.bruze.de/0632-womb-a.jpg

18.Yesterday And Today - The Beatles http://www.thebeatles.com.hk/images/records/albums/us/yesterday_and_today.jpg

19.English Rose - Fleetwood Mac http://www.rockzirkus.de/lexikon/bilder/f/fleet/rose.jpg Será que é o.... não, não pode ser...

20.Dial 'M' For Motherfucker - Pussy Galore http://img73.imageshack.us/my.php?image=dialmbm1.jpg

Depois continuo com minhas listas, ok?














Sunday, July 23, 2006

Genesis - The Lamb Lies Down On Broadway (1974)


Detesto rótulos. Cara, como eu detesto rótulos. "Metallica é para metaleiros e somente metaleiros", "Dead Kennedys é para punks e somente punks". Para ouvir determinada banda, é necessário criar um ritual , se vestir de tal modo, tomar as seguintes atitudes, e andar com a sua "tribo". Esses malditos estereótipos já arruinaram muita coisa que teria tudo pra ser genial. E quase arruinou um dos meus estilos de música favoritos: o Rock Progressivo. De repente nos anos 70 virou moda dizer que rock de verdade é simples, despretencioso, com acordes básicos, etc.. Quanto mais regras são criadas para se ouvir determinados estilos musicais, mais segmentações são criadas. "Fulano é traidor, fulano é vendido, fulano é pretencioso, fulano renegou as raízes." Se bem que o próprio prog muitas vezes criou clichês em cima de si mesmo. "Você sabe que está ouvindo prog demais quando mede o talento de um baterista pelo tamanho do seu drum kit" é uma piada que rola pela internet. De certa maneira, não deixa de ser verdade. Exageros à parte, eu sempre procurei entender todos os lados, quando o assunto é classic rock, ou o processo da Winona Ryder devido ao caso de furto na loja de grife. Eu entendo o porquê dos "tradicionais" detestarem experimentalismos, o porquê dos punks detestarem os virtuosos em seus respectivos instrumentos, e o porquê do Johnny Marr detestar os metaleiros. Mas é aí que está a graça da música: a diversidade. Se todos achassem os mesmos artistas melhores, seria uma tremenda chatice. O preconceito no rock é algo que me incomoda em certos aspectos. Além disso, preconceito é coisa de viado. Mas, chega de baboseiras, vamos ao Genesis.
Infelizmente, para grande parte do pessoal de hoje em dia, o nome Genesis remete imediatamente ao nome Phil Phuckin Collins. Na época em que Peter Gabriel era o líder e vocalista da banda, tínhamos uma banda prog "conto de fadas" com letras complexas, narrando contos tipicamente britânicos, ou até mesmo histórias surreais, fantasiosas... Quando ele (ele quem? O Peter Gabriel caramba, quem mais?) saiu da banda, logo após o disco que será comentado aqui, a banda pouco a pouco foi caindo no comercialismo, especialmente após a saída do guitarrista Steve Hackett, logo após a turnê de 1977 (que incluiu passagem pelo Brasil, diga-se de passagem). Nos anos 80 não encontramos quase nada de sua era Gabriel, agora o que importa É A MTV, O CACHÊ MILIONÁRIO, OS SHOWS LOTADOS, ESSES DESGRAÇADOS VENDIDOS, NÃO TEM RESPEITO NA CARA NÃO? Esqueçam tudo o que eu falei sobre "enxergar todos os lados", só disse aquilo pra ganhar sua confiança.
Não, não, brincadeira. Eu te amo. É que essa decadência artística dos caras me causa uma fúria nos culhões. Qual a verdadeira face dos caras? HEIM? Gênios indomáveis ou tarados mercenários? Tá, tá, o King Crimson, Yes, Jethro Tull, e até mesmo o E.L.P. se rendeu ao comercialismo em certos períodos... Mas nada foi tão gritante quanto o caso do Genesis. Antes não haviam letras meramente românticas do tipo "baby I love you", se havia uma amada a ser reverenciada, eles o faziam duma maneira quase religiosa, divina, agressiva, devotada... Nada como um bom exemplo para explicar o que eu estou tentando dizer: ouça a versão original da Musical Box, não, melhor ainda, VEJA a atuação do Peter Gabriel durante o fim da música, as suas expressões e gestos... "Why don't you touch me??!!! Touch me!!! Touch me!!!" Divinamente profano, não? Agora veja a atuação da mesma canção com o Phil Collins, na turnê de 91, The Way We Walk...

BOM, vamos à minha ópera rock favorita de todos os tempos. Sim, sim, essa é uma ópera rock. O Pete Townshend tentou uma vez, tentou duas... mas nada se iguala ao grande álbum duplo de rock progressivo inglês. Como toda ópera rock que se preze, há uma história por trás das músicas, interligando-as em uma maneira conceitual.
SE VOCÊ JÁ CONHECE A HISTÓRIA NARRADA NO DISCO PULE ATÉ EU AVISAR QUANDO ACABA O RESUMO.

A história é sobre o garoto porto-riquenho Rael, lorde das latinhas de spray, que anda tranquilamente sobre as ruas de Nova York em um dia habitual até que "The Lamb Lies Down On Broadway"... Uma nuvem escura surge nos céus, vai até o asfalto, se solidifica, e começa a criar uma ventania que espalha uma sujeira pelo ar. Rael tenta correr, mas cada vez que olha pra trás, a nuvem sem-vergonha continua se aproximando. A sujeira está cada vez mais intensa, o pó cobre todo o corpo do garoto, se solidifica, até que ele não consegue se mover em hipótese alguma. Ele vai ficando inconsciente, sendo engolido por uma espécie de casulo. Acorda com uma ância de vômito, tentando manter o controle mental. Mas este some assim que o local escuro e cavernoso no qual acordou começa a se fechar sobre o seu corpo. Ele fica novamente imóvel, preso entre estalagmites e estalactites, quando vê o seu irmão John do lado de fora. Este vai embora, e a jaula de pedra que o prendia se dissolve. Ele surge numa impecavelmente limpa sala de esperas de uma fábrica. A recepcionista que cuida das vendas anuncia: "Essa é a Grande Parada Dos Pacotes Sem-Vida". Todos andam em fila, numa massa uniforme, num fluxo quase que hipnotizado, que nem na Volta dos Mortos Vivos. No meio desse monte que vagueia em uma só direção, Rael reconhece seu irmão John entre todos os outros, com um número 9 cravado na sua testa. Tem lembranças de sua família, dos tempos no reformatório, de sua gangue... Com uma música romântica ao fundo, seu coração é removido, para que o depilem por completo. Quando não havia mais nenhum fio de cabelo, o órgão vermelho foi devolvido ao seu corpo, batendo muito mais rápido do que antes, enquanto ele aguarda o seu primeiro encontro romântico.
De volta de suas memórias confusas e misturadas, Rael dá de cara com um longo corredor, onde corpos sem vida (no sentido figurado, que fique bem claro, este não é um álbum do Brujeria) rastejam, com muita dificuldade de locomoção. Ele pergunta o que está acontecendo para os ajoelhados, e um deles responde que todos eles estão indo na direção do topo das escadas, para tentar fugir dali. Sem entender o motivo de ser o único que consegue se mover livremente, Rael vai até o local indicado. Após atravessar uma porta, há uma sala redonda, com 32 portas, uma delas levando à saída. Há uma grande quantidade de pessoas, dividida em vários grupos. Há uma mulher de meia-idade falando sozinha, Rael vai falar com ela, e descobre que ela é cega. Ela pede para ele ser o seu guia, pois ela "vem de uma caverna que sopra um vento, o qual ela seguirá", sendo assim, ela seria a única que poderia levá-lo para fora.
Andando por um túnel, cada vez mais eles vão se distanciando da luz que a sala circular emitia, até chegar na tal caverna. A cega vai embora, mas antes pede para Rael se sentar, esperar, e principalmente, não ter medo. Ele obedeceu aos dois primeiros conselhos apenas. Uma luz quase que cegante invade a escuridão do local, e rochas desabam cobrindo qualquer saída possível. Esperando pela sua hora final, Rael encontra com a Morte. Ela usa uma roupa branca, costurada por ela mesmo. Se auto-intitula A Anestesista Sobrenatural. Depois que ela deixa o local, ele acaba acreditando que a visita da Morte foi apenas uma ilusão.
Começa a sentir um perfume no ar. Vai até o canto da caverna onde o cheiro está mais forte, e removendo algumas rochas acaba descobrindo uma passagem estreita na parede. Se expreme todo, passando para o outro, onde descobre a fonte do perfume. Há uma piscina com água rosada, onde três criaturas com aparências de cobras o convidam a experimentar a água. Ele vai perdendo o seu receio assim que as cobras, com características de mulheres atraentes e olhos verdes, mostram que são amigáveis. Ele bebe um pouco da água, elas provam um pouco do seu sangue, e morrem em seguida. Foi um ritual quase que sexual, envolvendo seus sentidos e emoções. Ele entra em desespero e come o que restou dos corpos de suas amadas.
Deixando o local perfumado pela mesma fresta que entrou, ele acaba encontrando com uma multidão de pessoas esquisitas, asquerosas, distorcidas, que riem dele assim que notam a sua chegada. Um deles explica que todos ali passaram pela mesma tragédia gloriosa que ele vivenciou com a Lamia na piscina. Rael encontra o que resta do seu irmão John e este conta que a vida de todos aqueles asquerosos baseava-se em suprir o interminável, insaciável desejo de todos os sentidos, adquirido pela Lamia. A única salvação dessa anciedade seria uma visita ao Dr. Dyper, que removeria a origem dos problemas, ou seja, os castraria.
O doutor lhes entrega dois tubos esterilizados, com os materiais cirúrgicos dentro. Mas um corvo passa e leva os dois recipientes embora. Rael vai atrás, mas John decide ficar pois de acordo com ele "há desastres onde o corvo voa".
Rael vai atrás do pássaro ladrão, que foge na direção de um desfiladeiro subterrâneo, jogando o precioso tubo no córrego de água. Ele corre para alcançar o seu tesouro, e de repente uma imagem da Broadway, de sua casa, de sua vida, aparece acima de sua cabeça. De repente, ele ouve uma voz gritando por socorro: é John, se afogando na água que corre cada vez mais rápida. Após se atirar no córrego, e com muito esforço salvar seu irmão, eles chegam até a parte calma das águas, e Rael se apóia nas rochas e volta para a superfície. Mas ao puxar John para checar se este ainda estava vivo, o que ele viu foi a sua própria imagem! Olhando para si mesmo, ficou hipnotizado, até que o interior dos dois corpos ficaram vazios (não no sentido literal, isso não é um álbum do Brujeria, lembre-se). Nessa cena os dois derretem e dissolvem-se em uma névoa púrpura no ar.

OK, ACABOU A HISTÓRIA, JÁ PODE VOLTAR A LER VOCÊ QUE JÁ LEU AS NOTAS NO ENCARTE DO ÁLBUM. Mas pra você que ainda não a conhecia e quer saber de tudo na íntegra, vá até o fim do review, colocarei tudo que está no encarte do meu lp, mas em inglês, ok?

Bem, agora vamos falar musicalmente sobre o álbum. Não é tão complexo tecnicamente quanto o anterior Selling England By The Pound, as músicas são mais curtas, com melodias mais simples, e com linhas vocais que às vezes são até cantaroláveis para nós, meros mortais... Mas esse é o meu álbum favorito no quesito "Performance vocal", o Peter Gabriel se despediu com chave de ouro. Para compensar o fato de ter cortado o cabelo curtinho, e deixado as maquiagens alienígenas de lado, ele se superou completamente no que parecia já estar perfeito (vide a intro à capella de Dancing Out With The Moonlit Knight). Não apenas ele, como o rei das teclas Tony Banks, o guitarrista Steve Hackett, o Mike Rutherford fazendo que sabe de melhor, que é tocar baixo, e o Phil Collins, quem diria, fazendo um ótimo trabalho nas baquetas, sentadinho no canto dele!
Abrimos com a faixa título, um fade in de um piano pomposo, digno de espetáculo da Broadway (no bom sentido), que promete o que está vindo a seguir. Um vocal animado "early morning!", uma linha de baixo que predomina entre os instrumentos, um interlúdio que seria reprisado mais tarde na música mais bonita do grupo, e a conclusão gloriosa, esses vocais são de matar...
E sem perder tempo (literalmente, as faixas são em sua grande maioria grudadas umas nas outras, como no Dark Side Of The Moon) já entramos na Fly On A Windshield. Um tanto quanto medieval, não? Soa como uma calmaria antes da tormenta. Tormenta. A tensão final e a conclusão ficam por conta da Broadway Melody Of 74 (no cd está erroneamente separada, eles colocaram só o fim instrumentala-angelical da música). E bota angelical. Esse timbre da guitarra e esses teclados são celestiais.
Cuckoo Cocoon e o dedilhado do Hackett. Como esse cara fez falta no Genesis... e outra coisa que eu não canso de falar: os vocais! Os sininhos, o piano, a voz dobrada, a flauta (sempre tocada pelo próprio Gabriel, diga-se de passagem), essas entonações no "cuckoo cocoon" imitando algum tipo de pássaro.... tudo perfeito.
"I got sunshine in my stomach..." Já estou até tremendo, In The Cage é a primeira faixa comprida (para os padrões progressivos) do álbum. Dramática, vai crescendo até chegar num interlúdio instrumental onde a dupla Banks/Rutherford me faz esquecer tranqueiras como Who dunnit e Invisible Touch. Já falei que os caras tocam pra caramba né? Só pra não esquecer... Outra linha de baixo matadora (no sentido figurado, este não é um álbum do Brujeira, lembre-se), principalmente quando o vocal volta, lá pelos 4 minutos e pouco... Nota-se claramente o estilo "tribal" de tocar do Collins, que se tornaria sua marca registrada (entre outras coisas...). Depois que tudo se acaba, a música "volta" nos últimos segundos, num trecho instrumental que eu jurava que era o Eno que tinha composto.
Mas não, ele iria dividar os créditos apenas na Grand Parade Of Lifeless Packaging. Ele fez um ótimo trabalho no disco. Ele está creditado no encarte como: Eno - Enossifications... quem ouviu o Low sobre o qual eu mencionei aí embaixo entende do que se trata essa palavrinha esquisita, assim como Frippertronics... Se bem que ele não teve uma participação tão grande no disco como no caso do David Bowie.
Opa, o lado b, até que enfim temos tempo pra respirar depois de tantas coisas mescladas. Back In NYC, bem já nem sei o que dizer mais... o melhor vocal do disco até agora. Destaque para a figura sobrehumana/celestial do Gabriel, que soltou um palavrãozinho lá no meio. Esse chorus, tanto nas teclas quanto nos vocais (apenas em dois trechos) deixam o mundo melhor...
A curta instrumental Hairless Heart fica por conta novamente de Banks, e falando nele, sabiam que ele disse nos anos 90 que nunca ligou tanto para o seu trabalho nesse disco? Humildemente hipócrita, eu diria.
E sem perder o fôlego a música muda completamente... completamente mesmo, afinal já estamos em outra faixa, Counting Out Time. Depois de tanta melancolia e tensão chegamos a música alegre, que dá até pra assoviar junto, e com um solo do Banks pra lá de curioso, demais! Sem falar no refrão, que tem uma guitarra bem afiada.
Ah ha, se não é a música mais bonita do álbum (e talvez a mais bonita de toda a carreira do grupo, se me permite dizer), Carpet Crawlers. É a música que até quem não é fã do Genesis e de música progressiva gosta. A melhor performance vocal que eu já vi esse cara fazer. Linda, inacreditável. Um refrão antológico. Sinceramente, não há palavras para descrever o que eu sinto ouvindo essa música. Ah, e deixa eu te avisar, para não estragar toda a fantasia por trás dessa música, NÃO ouça a tenebrosa versão que eles lançaram na coletânea da fase pop Turn It On Again: The Hits. Sem dúvidas, para conseguir estragar completamente algo que superava a perfeição, é preciso ser um gênio, né, Sr. Collins Larápio.
E para terminar o disco 1, temos Chamber of 32 doors, dramática e melancólica como muitas outras até agora, e com um refrão que o Elton John não conseguiria compor nem com toda a cocaína do mundo.

Enquanto você não colocou o disco 2 ainda, perceba o qual genial são as letras desse álbum. Não pelo significado delas dentro da história. Mas sim pela forma pela qual elas foram construídas, a gramática, a fonética, etc... É uma escrita absolutamente inglesa, com rimas, referências a trocentas músicas americanas, e uma precisão cirúrgica. Não apenas as letras, mas principalmente o texto contido dentro do encarte, que eu colocarei o link no fim do review. Vendo o Peter Gabriel escrever assim, parece até fácil né?

Voltando, e voltando com tudo! Olha essa música meu, Lilywhite Lilith! Cheia de energia, como uma explosão, entrando num momento instrospectivo na sua metade, porém. E unindo-se à Waiting Room, que é basicamente composta por ruídos e efeitos sonoros... a "música" mesmo só vem aos 3 minutos, bem, de certa maneira lembra muito uma sala de espera, eu acho.
Anyway, uma das mais belas do álbum, um excelente trabalho no piano "limpo" de Tony Banks, sem efeitos. Começa lenta, explode no meio, com um ótimo solo dobrado (duas guitarras ao mesmo tempo) do Steve Hackett. Virou até nome duma banda tributo ao Genesis italiana.
The Supernatural Anesthesist, lembra muito as bandas da invasão britânica dos anos 60 em certos momentos, acho que esses backing vocals "sha la la la" que me fazem pensar isso. Bem fácil de digerir, como a Anyway, Counting Out Time, etc... cara, como eu adoro esse timbre do Hackett no solo do fim da música...
Outro momento grandioso do disco, The Lamia. Uma das melhores melodias vocais, e uma melodia na guitarra de chorar de tão bela. O Tony Banks deveria ter investido mais no piano limpo, ele parece ser ainda mais íntimo dele do que dos efeitos do moog. Bem, os dois tem o seu valor. Tanto o moog quanto o grand piano. Tanto que ele usa ambos nessa música aqui.
Mais uns minutos instrospectivos em Silent Sorrow In Empty Boats (um nome que diz quase tudo), e chegamos a uma opera rock dentro de outra opera rock: The Colony Of Slippermen. Dividida em três partes: The Arrival, A Visit To The Doktor e The Raven. Assim como no anterior Selling England By The Pound, as fonéticas um tanto peculiares na voz de Peter Gabriel é o que chama a atenção (hellay!, shoo-be-doo, etc...). Fora a imitação de monstro asqueroso Slippermen, e o solo de moog do Banks, que rouba a cena novamente. "Some concern.... ah ahh..." um deleite.
Outra instrumental instrospectiva (caramba, até soou igual, acho que andei lendo demais o encarte do disco), Ravine. E uma opera rock que se preze tem que ter no mínimo uma reprise. Já tivemos uma no disco 1. Agora temos The Light Dies Down On Broadway que é reprise de (adivinha!) e The Lamia. Aliás, é outro arranjo interessante, ela começa como a Lamia, e entra no pre chorus e chorus da faixa-título, voltando para a Lamia. Criou um clima completamente diferente, mudando tão pouco.
Opa, de novo o Banks volta a suar a camisa aqui na Riding The Scree, que até a sua metade é instrumental. "Evil Kenievel, you got nothing on me...." hehe adoro essa parte.
Mmmm isso é realmente emocionante, estamos chegando no fim do disco. É a dupla In The Rapids/It que encerra essa obra-prima incontestável. A última tem uma das melodias de guitarras mais bonitas do Hackett. Já vi muito marmanjo chorando por causa dela... cara, isso é demais, demais... Esse foi o meu review mais enrolado de todos até agora, talvez devido ao tanto que me envolvi com esse álbum. Eu tentei ao máximo expressar o que eu realmente sinto por ele, mas eu não consegui totalmente. Eu realmente fico sem palavras diante de coisas como esta. Não é hipocrisia, nem estou tentando "forçar a barra", romantizando exageradamente... esse disco.... bom, nem sei mais o que dizer. É meu disco de prog favorito, e um sempre estará entre meus discos britânicos favoritos. Pensando bem, sempre estará entre meus discos de música favorito. Sem subcategorias. É perfeito do começo ao fim. Não há um momento "vazio". Até mesmos as instrumentais mais discretas, com pouco volume e densidade, são parte desse creme perfeito. Uma sobremesa perfeita condensa partes doces, muito doces, levemente doces, bom, você entendeu...
"Coz It's Only Knock And Know-It-All, But I Like It!"

Ah sim, aqui vai o link com a história completa, como eu havia prometido:

http://myspot.neteze.com/%7Espace/cds/sub/lamblies.htm






Faz melhor, Fish?

Friday, July 14, 2006

David Bowie - Low (1977)


David Bowie, no decorrer de sua carreira, ganhou o apelido de "camaleão do rock". Flertou com folk, glam, soul, eletrônica, e o caramba. Seu grande feito foi o The Rise And Fall of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars (1972), no auge da era glitter. Construiu uma persona andrógena, um super herói que veio nos contar que o apocalipse estava próximo. "Nós temos apenas cinco anos de existência..." E, por coincidência ou não, faltavam cinco anos para ele lançar esta preciosidade aqui!
Durante seu auge comercial, David também alcançou o seu auge no quesito dependência química. "Los Angeles era uma cidade muito convidativa quanto às drogas, ao glamour, aos excessos. Por isso decidi me mudar para Berlin para me desintoxicar."
E não é que foi uma ótima idéia? Desse período paranóico surgiu uma das maiores obras-primas dos anos 70, e até da música moderna em geral, por que não?
Quem esteve acompanhando (intensamente, diga-se de passagem) a cultuada Trilogia de Berlin foi o ex-Roxy Music Brian Eno. Low foi lançado em 77, assim como "Heroes" (o que obteve maior sucesso comercial), e Lodger, finalizando a trinca, em 79.
Esses dois primeiros álbums, assim como a maioria dos trabalhos do Eno (Before And After Science, Remain In Light com os Talking Heads, etc...) dividiam-se climaticamente. O lado A é agitado, acessível, fácil de ouvir. O B já é mais complicado, com música longas, lentas, ambientais, e na sua maioria de predomínio instrumental. O que predomina no disco inteiro são as teclas, os efeitos sonoros, eletrônicos, experimentalismos com timbres, sonoridades específicas, etc. Se quer guitarras e refrões mais básicos como na época do Ziggy Stardust, vai se decepcionar, eu te aviso... Este período de Berlin foi influenciado clara e assumidamente pelos alemães (coincidência?) do Kraftwerk. Bowie chegou a dedicar uma faixa ao Florian Schneider, no "Heroes", chamada V-2 Schneider. Mas chega de cerimônias, vamos ao que realmente interessa!
O disco abre com Speed Of Life, uma instrumental aparentemente simples, que serve mais como introdução ao álbum. Mas, assim como muitas outras obras-primas, você só vai "pegando" o conceito, a idéia, após várias e várias e várias audições. Esses bends na guitarra, esses efeitos eletrônicos (conforme as músicas vão passando, você entenderá cada vez mais a influência do Eno), o baixo, a bateria... tudo parece estar soando diferente do normal, os intrumentos não aparentam estar emitindo os sons que nós estávamos acostumados a ouvir deles.
Breaking Glass, um semi-reggae eletrônico com a melhor linha de guitarra do álbum. E o cara resolveu começar a cantar, não são letras fáceis porém. Novamente, o que me chama atenção é o baixo, marca divinamente o tempo, sem perder o groove jamais, quase como um robô. Ih, caramba, a música já acabou? Nem deu tempo de se acostumar à ela e já tá dando fade out? DEMAIS!
What In The World, uns barulhos de pinballs antigos dos anos 70 são usados como fundo ritmico. Se você prestar atenção, a voz que canta junto com David é familiar, ninguém menos que Iggy Pop, o doidão mais sortudo do mundo. E no segundo refrão, se é que se pode chamar de refrão, entra um tecladinho que veio a calhar. Os detalhes, são os detalhes que determinam a grandiosidade do Low. Preste atenção nos detalhes.
Ah sim, agora é o hit do álbum, Sound And Vision. Lembro-me que a primeira vez que ouvi essa música foi na coletânea Best Of 1974/1979, era bem a que abria o disco. Não achei nada demais. Mas no conceito do Low, cai como uma luva, ficando magnífico! É por essas e outras que muitas vezes coletâneas não são a melhor maneira de conhecer uma banda. Lembra uma música bem praiana, ensolarada, de verão, com vocais dobrados, uma voz meio desamparada, desesperada, e outra séria, quase que entediada. Há um clima Disco nessa faixa, mas, por incrível que pareça, não me soa comercialmente estúpido, como grande parte da música Disco do fim dos anos 70. Esse cara tá cheio dos truques heim?
Always Crashing In The Same Car se destaca pela sutileza. Esse tecladinho que é usado de fundo. Quase que infantil, despreocupado, só deixando rolar. Consegue brilhantemente superar a guitarra, os outros efeitos eletrônicos, a bateria, tudo! E o que diabos essas letras tão querendo dizer caramba?? Será que toda vez que alguém passa por um período de abstinência de drogas fica imaginando essas coisas? Enfim, é um dos destaques de sua carreira, porém não é tão conhecida talvez pelo fato de não apresentar padrões de uma canção radiofônica. E é isso que a deixa ainda mais legal! hehehe
Be My Wife também teve um certo sucesso na época, com direito até a promo clip (onde aliás o Camaleão aí se comporta de uma maneira meio estranha...). É a música mais comercial do álbum, mas mesmo assim não consigo considerá-la meramente comercial. Talvez a letra mais sã também. "Please be mine, share my life, stay with me, be my wife." Até que emfim algo que (aparenta) ter nexo!
E pra fechar esse Lado A alegre, sorridente, empolgado, temos outra instrumental, A New Career In A New Town. Essa bateria marcando o tempo, parece muito moderna para a época não? Aparenta até estar alterada sonoramente, me lembra muito o que pessoal do industrial, eletrônico, e outras praias modernosas fariam nos anos seguintes. Temos um piano tocando uma melodia bem simples, mas que graças ao Sr. Eno ficou genial, novamente. E essa gaita no fundo. E o meio da música, com esses teclados... E o piano vai sumindo e "perdendo a coordenação", como se fosse um sonho se desmanchando, quando você está quase acordando de manhã, onde a realidade se mistura com o sono... E esse baixo que muda no finzinho... Os detalhes, os detalhes, tem gente que diz que a felicidade se encontra pelos detalhes, bem no quesito musical acho que esse disco me fez encontrar a felicidade momentânea...
Bom, chega desse sentimentalismo barato... vamos ao sombrio Lado B...
Warszawa é lenta, soturna, sinistra, profunda, e intensa! Vai ficando cada vez mais bela conforme passa o primeiro minuto. São instrumentos com sons tão particulares que nem consigo identificá-los ao certo. Aliás, como esses caras se preocuparam com o timbre nos mínimos detalhes, heim? E de repente, lá pelos 4 minutos, o vocal entra, cantado numa língua que eu não faço a menor idéia de qual seja. Ouvi dizer até que era uma língua inexistente que o próprio Bowie inventou... Lembra algum canto oriental, algo bem exótico, sem dúvidas.
Art Decade, um nome bem sugestivo. O clima começa bem similar ao da faixa anterior. Com
algo que aparenta ser um instrumento de sopro criando uma melodia bem interessante, e esses barulhos de água borbulhando no meio, que coisa... É mais repetitiva que a anterior, porém. O tema vai crescendo e se concluindo ao mesmo tempo no minuto final.
Weeping Wall, sobre o Muro de Berlin (ouvi dizer que todas as faixas desse Lado B são sobre situações que o Bowie presenciou na Alemanha, me corrijam se eu estiver errado), tem uns xilofones (suponho que sejam xilofones, do jeito que esses caras adoram mudar o som dos instrumentos) que criam um clima "insistente", com uma guitarrinha ali, um vocal mórbido no fim, muitos ecos, de todas as faixas desse lado do disco, essa é a que mais me lembra Kraftwerk. A mais hipnótica também.
E chegamos ao fim: Subterraneans. Sem dúvidas a música mais "down" de todas as citadas. Um baixo que entra, sai, entra, sai, entra, sai, entra, sai.... como algum lunático repetindo a mesma frase várias vezes, num metrô escuro e fedorento. O sax entra lá pelo meio da música, pra aumentar ainda mais o clima underground. E essas letras, não tente entender, poupe-se de uma dor de cabeça, como a que eu tive tentando decifrá-la. A repetição nunca esteve tão genial como nessa conclusão de álbum.
Tá vendo porque é tudo tão genial? Depois de ficar com esse clima na cabeça, volte para a Speed Of Life e lembre-se como tudo começou... Não é incrível? É uma mudança brusca, na primeira metade estamos empolgados, inquietos, quase que abobados... E no fim, tudo fica tão introspectivo, sinistro, noturno, escuro... Imagine se fosse lançado um single com Speed Of Life no lado A e Subterraneans no lado B? Seria como sair da água quente e pular num rio semi-congelado. É claro que com a tecnologia vindo, os cds vieram também. Portanto, esse lado visual, de ter que virar o lp para ouvir a (literalmente falando) outra face do disco, acabou sendo ofuscado. Então fica pela imaginação, se colocar em 1977, colocar o Low no stereo, e ter que ouvir um dos lados de cada vez. Dois lados opostos, que não se olham, mas se complementam genialmente.

Se não existisse o Low, alguém teria que inventá-lo.

Thursday, July 13, 2006

Mr. Bungle - Disco Volante (1995)


Para quem não sabe, o Mr. Bungle é a primeira banda do Mike Patton, que mais tarde entraria no Faith No More, em 1988. Após o sucesso do multiplatinado The Real Thing (1989), o cara resolveu continuar trabalhando paralelamente com seu grupo original (até então só havia em circulação 4 fitas demo gravadas de 86 a 89). Lançou o excelente Mr. Bungle em 91, o Disco Volante, que aqui será comentado, em 95, e o maravilhoso California em 99.
(curiosidade antes de começar o review: sabiam que o nome original deste último era Californication? Só que aquela banda lá roubou o nome e eles acabaram tendo que mudar...)
Este é um dos discos mais absurdos, pra dizer o mínimo, dos anos 90. Uma salada sonora, com momentos de peso, agressividade, jazz, virtuose, ritmos latinos, música italiana, hardcore, ambiências à la Brian Eno, vozes e mais vozes perturbadoras...
Vai ver que o Patton estava querendo apagar a estigma de ídolo da garotada nos tempos de "Yoooooou want it all but you can't have it!" ("Epic") e foi mergulhando cada vez mais fundo nos experimentalismos (eu gosto bastante dessa palavra, como vocês já devem ter notado hehe), até chegar em picos inacreditáveis (vide os seus dois discos solos, ou suas futuras bandas Maldoror, Fantômas, o projeto com o Naked City, etc...) E não é que nesse álbum ele acerta em cheio?
Ser esquisito é fácil, o difícil é fazer maluquices com coerência, sem soar algo "fiz qualquer coisa que me vinha à cabeça pra parecer gênio depois".
Os músicos são todos de primeira, de deixar o Jon Anderson pensativo. Virtuosos, criativos, e o mais importante: excêntricos!
Acho que o Disco Volante merece até um review música-por-música detalhado:

1.Everyone I Went To High School With Is Dead - trash metal completamente grotesco, de deixar o Cannibal Corpse enojado, entoado em um coro de vozes que mais parece ter saído da Volta Dos Mortos-Vivos. Há alguns momentos atonais, e sem tempo, o que deixa ainda mais grotesco! No encarte do cd, há uma foto de classe, que suponho que seja do Mike Patton. O que será que eles fizeram pra ele ficar tão bravo a ponto de dedicar um título desses a eles?

2.Chemical Marriage - corta o clima tenso da primeira faixa com órgãos e ritmos tribais "calientes", para você ter uma idéia, nem se quer tem guitarras presentes! Se tem, está incrivelmente escondida. Há até um trecho que o Patton cantarola algo que lembra bossanova...

3.Carry Stress In The Jaw - se me permitem dizer, a melhor do disco. Começa com um sax completamente "rebelde", sem regras de tempo, tom, etc, acompanhado por um baixo igualmente maluco... Lembra muito o John Zorn, ou a improvisação "Whip It Out" do Ian Underwood. Aí vem esse tempo marcadinho na bateria, com quebradas, etc... sabe esses jazzistas ferrados? Então... O vocal vai fluindo suavemente, até que entramos numa onda de guitarras distorcidas à la Slayer, voltamos pra zona à la Mothers Of Invention, e entramos novamente no trash podreira. E no fim ainda temos uma "música secreta" com vocais cômicos e suingues espertos...

4.Desert Search For Techno Allah - para ser eclético ao extremo, depois de um trash, um ritmo caribenho, um jazz, e uma quase-bossanova temos um cruzamento de música árabe com nuances industriais do tipo Throbbing Gristle. Percussão, teclados, ecos, e um verso inesquecível ("Qiyamat qiyamat a tawil. Qiyamat qiyamat insan al kamel.") seja lá qual for a língua que isso seja cantado... Mas como o próprio Patton disse certa vez, "às vezes eu me preocupo mais com o som que a palavras têm, e não tanto com o significado das letras..."

5.Violenza Domestica - pra irritar cada vez mais os fanáticos do lema "rock básico arroz com feijão" esses aloprados nos dão um tango, com acordeon e tudo... a letra, obviamente, não é cantada em inglês, e sim em italiano, senão não tem graça pô! hehe Assovios e trocentas quebradas de tempo depois, você acabará se deparando com um monólogo bem obsessivo do Patton "Esculta mi bene...".

6.After School Special - divina, teria tudo pra ser normal, se fosse tocada por outra banda não-ousada, é claro. Esses órgãos, tão competindo com as marimbas do Swordfishtrombones...
E no fim ainda tem uma surpresinha.... "mmm good hahaha" Que coisa mais pervertida...

7.Phlegmatics - reparem só, a bateria entra acelerada, bem estilo hardcore, a guitarra e o órgão idem... aí a música para, entra o baixo, guitarra, vocais que aparentam ser cantados por alguém lá do outro lado da quadra de basquete vazia... e escura... alguém que não bate muito bem da cabeça aliás....
Mas aí a bateria volta, no mesmo ritmo hardcore da intro, num clima completamente diferente do vocal! Horripilantemente genial...

8.Ma Meeshka Mow Skwoz - uma Chemical Marriage mais alucinada, com sax celebrativo, instrumentações de desenho dos Looney Tunnes, uma letra sendo cantada numa língua que eu não faço a menor idéia de qual seja... mas de qualquer jeito, tente cantarolar junto aquele trecho aos 2:24...

9.The Bends - uma suíte ambiental conceitual... o conceito é um cara que está morrendo afogado, e tem 10 minutos, coitado, teve uma morte lenta... Essa faixa é a mais calma do disco, são raras as partes com acompanhamentos rítmicos (como a Aqua Swing), lembra bastante o Delìrium Córdià (2004) do Fantômas. O mais interessante é como essa suíte lembra algo submarino, distante da superfície... os timbres saturados, as flautas "distantes", e sons que vão embora antes mesmo de você poder agarrá-los... E no final esse ruído que vai crescendo, é como se seus pulmões fossem explodir de tanta água... Desesperador, não?

10.Backstrokin' - voltamos aos ritmos dançantes (se bem que isso não se dança em publicamente a não ser que você queira ser preso por atentado ao pudor - isso foi um elogio), com essas vozes cada vez mais distantes... baixinhas, e com ecos... no meio entra essa música de piano de restaurante... e um tema maravilhosamente desconexo com o resto da música no fim... a faixa mais leve do álbum.

11.Platypus - peso, baixo afiado, vocais que vão fluindo, quebrando, te ameaçando, voltando a fluir, pulando de um canal pra outro... aí vem os instrumentos que tocam cada um uma coisa diferente do outro... uma das músicas mais "difíceis" do disco.

12.Merry Go Bye Bye - e chegamos ao encerramento! No início, pensamos até que esse seja o único momento sadio do álbum... uma música romântica estilo anos 50, com uma letra perturbante porém, até que um pouco depois de um minuto voltamos à calamidade de sempre: "You got me walking into suicide..." e de repente parece que o Napalm Death invadiu o baile de formatura assassinando todos os estudantes de terninho branco e estuprando as colegiais nos seus vestidos de festa... aí entra uns efeitos sonoros que lembram um monte de videogames antigos jogados ao mesmo tempo.... e esses vocais monstro, Max Cavalera deve ter "pago um pau"... não é à toa que chamou o Patton pra cantar no Roots do Sepultura, lançado um ano depois.
Atrocidades terminadas, a música volta quase que à capella, só órgão gospel e vocais limpos, cantando o tema do início.

E no finzinho, pra competir com a Day In The Life dos Beatles, entra um pós música esquisito, sem nexo algum... mas infelizmente, não é tão genial quanto ao que os caras de Liverpool fizeram. Aliás, é o único sem graça do álbum, esses minutos finais, onde eles ficando literalmente fazendo baderna nos intrumentos.

Bem, esse pode não ser um Sgt. Pepper's, mas sem dúvida é o Sgt. Pepper's da genial carreira do Mike Patton, que todo ano lança uns 2 álbums novos, pra felicidade dos seus seguidores, como eu!

Se você ouviu o Disco Volante inteiro e está com um sorriso incontrolável no rosto, tá na hora de ir pro Suspended Animation do Fantômas...

Thursday, July 06, 2006

Tom Waits - Swordfishtrombones (1983)


Vou te falar, não é querendo ser pessoal demais, mas esse cara aí É DEUS! Não, semideus. Deus é o Frank Zappa, que Deus o tenha.
Mas ele está no mínimo entre meus 5 artistas favoritos, sem dúvidas.
Bem, a questão é: ele passou por algumas metamorfoses durante sua carreira, que começaria em 1971, com algumas demos "voz e violão/piano", estilo Freewhelin', antes do Bob Dylan usar guitarras elétricas. Eram músicas sobre amores mal resolvidos, fracassos, decadência, no melhor estilo. Sua voz ainda não era tão (incrivelmente) rouca, e os arranjos se baseavam em grande parte no jazz tradicional. Bem, sua voz foi ficando cada vez mais rasgada, provavelmente devido à enorme quantidade de birita, tabaco, etc... O que deixou as suas composições cada vez mais introspectivas e... sinceras! Por que não? Ouça ele cantando "Waltzing Mathilda" em Tom Traubert's Blues (do Small Change, de 1976) e não me diga que não ficou emocionado?
O último disco dessa chamada fase "tradicional" seria a trilha do filme One From The Heart do seu chapa Francis Ford Coppola, de 1982, em parceria com a Crystal Gayle. E logo em seguida, em 1983, veio o choque: Swordfishtrombones.
Arranjos incomuns, instrumentos exóticos, até mesmo as letras e os temas mudaram um pouco. Antes eram apenas corações partidos, sarjetas, hotéis baratos, etc... Agora os mesmos assuntos são abordados, porém de uma maneira um pouco diferente. Os fins continuaram iguais, os meios é que mudaram.
Bem, antes de tudo, este é um disco pra lá de maluco. Alterna momentos de romantismo com alucinações, muitas vezes até unindo as duas características! Tom canta como se fosse a última música que ele cantaria na vida. É o que mais me fascina, a autenticidade na sua voz. Muitos ouvem e têm a impressão imatura de achar que "é mais um excêntrico com voz de bebum". Mas repare bem. As letras, a entonação, a emoção... Agora deixa eu falar logo sobre as faixas antes que eu me empolgue demais:
O álbum abre com Underground, um ritmo que lembra um cortejo fúnebre, regado a marimbas, sopros, bateria e o convite "There's a big dark town, There's a place I've found, There's a world going on Underground!"
O blues está predominante em 16 Shells From A 30.6, Down Down Down, Gin Soaked Boy e Shore Leave (se bem que esta última poderia ser também um jazz decadente, por que não?), na qual o velho Tom demonstra sua marca registrada no último minuto de música. E essas marimbas são a salvação do dia.
Os momentos que mais lembram os tempos do começo de sua carreira são: Johnsburg, Illinois e a Soldier's Things. Essas duas compartilham basicamente as mesmas características, piano, baixo upright do grande Greg Cohen, e vocal... Aliás, os vocais estão quase que "sóbrios", impressionante.
As 3 instrumentais do disco são: Dave The Butcher (sinistra, soa como se os personagens da série Os Monstros, dos anos 60, quisessem de fato assustar as pessoas),
Rainbirds, que obviamente inspirou o nome do seu aclamado álbum de 85, Rain Dogs, fecha o álbum discreta e melancolicamente,
e finalmente a minha favorita Just Another Sucker On The Vine, quando ele pega no acordeon, sempre sai coisa boa (vide Innocent When You Dream, a versão Barroom, do álbum Frank's Wild Years, ou Hang Down Your Head, do já citado Rain Dogs). Esta no caso parece uma música francesa celebrando o dia-a-dia de mais um derrotado afogando suas mágoas no vinho.
E aproveitando que eu mencionei o Frank's Wild Years, a canção homônima é literalmente falada, no estilo cabaré, um órgão e um baixo acompanhando e o Frank contando sua solução psicótica para escapar daquela maldita rotina. Vale a pena ouvir conferindo as letras.
Trouble's Braids segue a mesma linha, vocal falado, só que desta vez o acompanhamento fica a cargo do baixo e das percussões, e sem falar no andamento, que aqui é bem mais rápido, criando um clima neurótico, quase que obsessivo.
A faixa título lembra um pouco os ritmos caribenhos, só que mais dramáticos. Ai ai, essas marimbas... estou começando a achar que o Victor Feldman é um verdadeiro marimba hero. Excelente.
Town With No Cheer abre com uma gaita de fole, mas logo sendo substituída por um teclado tristonho, e o Sr. Waits desabafando como sempre.... "There's nothing sadder than a town with no cheer...."
E por último, mas não em quesitos de importância, temos In The Neighborhood, a ÚNICA faixa alegre do disco, do tipo que se ouve de manhã tomando banho. Lembrando que, quando eu digo alegre, eu digo em comparação ao resto do álbum. Bem, olhando a letra dela, acho que ela não é lá tão positiva assim... É como uma marcha tocada pelas bandas naqueles desfiles populares nos Estados Unidos, sabem? Ele até usou uma dessas bandas no clipe dela: http://www.youtube.com/watch?v=6mM3nGzvoN8&search=Tom%20Waits%20In%20The%20Neighborhood
Esse refrão é perfeito, me faz sorrir um bocado.

Concluindo, é o álbum divisor de águas na carreira do Tom Waits. E esse foi um dos motivos pelo qual eu resolvi comentar sobre ele ao invés de seu disco mais conceituado pela crítica e público, Rain Dogs.

E só para relembrar: Tom Waits é um semideus, canta como Sinatra cantaria se estivesse com uma hemorragia interna, e além disso seus filmes são demais!!! O Selvagem da Motocicleta, Drácula de Bram Stoker, O Pescador de Ilusões, Short Cuts (meu favorito), etc... Não é um Robert Downey Jr., mas é melhor que aquele pessoal que estrela o seriado Friends...

Vaselines - The Way Of The Vaselines (1992)

Duraram apenas 4 anos, de 1986 a 1990. Assim como o caso do Big Star citado abaixo, tiveram uma meteórica, brilhante e (até então) desconhecida carreira.
Mas esse quarteto escocês é simplismente tudo o que o Belle and Sebastian (também escoceses, que coisa não?) queria ser: simples, carismáticos, "fofinhos" e diretos. Vejamos, por onde eu começo...
Na verdade essa é uma coletânea com 19 músicas, e eu te digo, todas são maravilhosas! Bem, talvez You Think You're A Man, cover do Divine, o travesti que lançou umas musicas aí nos anos 80, seja um momento um tanto "mas o que que é isso???", mas bem, muitas bandinhas "indie de araque" de uns tempos pra cá tem feitos covers de ídolos pop só para criar um estigma cult por cima. E cults de araque podem é lavar o meu saco. Além do mais, os gemidos da Frances McKee no fim da música são um tanto charmosos hehe. Há também o cover da Oliver's Twisted, do mesmo indivíduo, mas está numa versão mais roqueira, ao contrário da anterior, quase que new wave.
Ah! Como pude ser tão grosseiro, esqueci de apresentar: Frances McKee, Eugene Kelly, as duas vozes que você ouvirá conforme o álbum vai rolando. Frances é a garota com a voz mais "sweet little schoolgirl" da escócia (se bem que eu não conheço muitas garotas escocesas, mas...). Eugene, que mais tarde formaria o Eugenius, é o cara que tá do lado esquerdo da capa. É um cara legal, olha só, deixou o Nirvana fazer três covers do Vaselines e receber crédito por cima e nem reclamou. Os covers em questão são: Son of gun, abrindo o álbum, com um ruído de distorção que em poucos segundos dá lugar à suave cantoria que marcará o resto do disco.
Molly's Lips, que ao contrário da versão barulhenta do Nirvana é leve como uma pluma, com vocais quase que infantis (no bom sentido, lullaby, canção de ninar, etc, sacaram?). E de quebra tem uma buzininha que cai como uma luva no refrão. Sem dúvidas um dos destaques da coletânea.
E finalmente Jesus Wants Me For A Sunbeam, que assim como The Man Who Sold The World (David Bowie), viraram hits nas mãos do trio de Seattle no seu estourado Unplugged In New York.
Mas por que estou insistindo tanto no fato do Nirvana gostar deles? Bem, independente da qualidade musical de uma banda que estourou e vendeu milhões, é sempre interessante verificar as influências dos caras, especialmente se forem bandas até então "esquecidas". Assim como os Guns 'n Roses chuparam o som dos New York Dolls e Lou Reed chupou o bilau da metade de Nova York.
As letras conseguem ser irônicas, sarcásticas e muitas vezes até bem-humoradas, mas sem soar clichê (lembra dos cults de araque que eu falei?):
"Monsterpussy, Monsterpussy, meow my monsterpussy"
"I'm a real bitch, I'm a twisted witch, I screw you around when you're feeling down"
"I was born on Christmas day, And all my people turned me away. I got one thing to say, SEX SUX, AMEN!"
E aproveitando que eu mencionei a Sex Sux (Amen) e os New York Dolls, acho que esta música tem uma grandiosa influência dos caras (quando eu digo os caras, eu quero dizer os New York Dolls, não escrevi o nome da banda de novo pro texto ficar gramaticalmente bonitinho), com pianinho e tudo!
Uma coisa que me fascina no Vaselines é a sutileza. Eles usam detalhes minúsculos que alteram e muito a música no fim das contas. Mas isso sem exagerar, usar 48 canais, walls of sound do Phil Spector ou experimentalismos que fazem o Brian Eno sorrir. Apenas um eco na guitarra ali (Dying For It), um tecladinho aqui (Slushy), uma percussãozinha (aqueles batuques na Hairy vieram à calhar), uma quebradinha na bateria (Monsterpussy), uma pseudo cítara (Lovecraft), etc... Até mesmo os erros (que em alguns casos são até propositais) como backing vocals que entram fora de sincronia, uma voz que dá uma desafinada de leve, etc, são de certa forma pra lá de criativos. Isso é uma coisa que me faz (eu disse que ME faz, ou seja, a minha opinião, não a verdade verdadeira) preferir eles do que o também escocês Jesus And Mary Chain.
O mais impressionante é a versatilidade. São criados climas inigualáveis, de trocentas formas diferentes (confira as duas versões de Dying For It pra ver se eu estou mentindo ou não), mas sem perder o molde e a consistência.
Eu já procurei loucamente por mais músicas deles, e até agora, não encontrei nada. Além dum suposto bootleg deles com o Beat Happening. Me sinto mais frustrado que o Ralph Macchio no papel daquele garoto que procura músicas perdidas do Robert Johnson, no filme Crossroads(1986). Pena que depois ele descobre que tudo era uma farsa, o bluesman só havia gravado 29 em toda sua vida.

Sem querer parecer melodramático, o Vaselines é como "um desses momentos maravilhosos na vida que se vão antes mesmo de você perceber que eles chegaram" (Reality Bites, 1994), ou, pra ser mais direto, como aquela música da Liz Phair, "Fuck and run".

Tuesday, July 04, 2006

Big Star - #1 Record (1972)


Injustiçados. Talvez essa seja a melhor palavra para definir o Big Star. Bom, pelo menos por aqui, no Brasil.
Depois de largar o Boxtop, Alex Chilton juntou-se a Chris Bell (ex-Ice Water) e formaram aquela que seria uma das mais frutíferas (e curtas) parcerias do rock americano, depois de Paul Stanley/Gene Simmons...

HA! Te peguei heim?? hehehehe

Bem, voltando. Eles são de Memphis, TN, e são demais! No começo dos anos 70 todo mundo queria ser ou "doidão", ou glam, progressivo, artístico, pretencioso, agressivo, etc etc... Mas, eles não. Só queriam lançar um bom e velho power pop, à la Byrds/Beatles/Who em meados dos anos 60. E o que seria um disco com melodias suaves, refrões grudentos e vocais harmoniosos (no caso do Chilton) ou rasgados (no caso do Bell). Até a capa é simples e direta. Nada mais que uma foto do luminoso de um supermercado local chamado Big Star, de onde veio a inspiração para o nome do grupo. Muitas bandas que vieram à estourar de uma forma ou outra foram influenciadas pelos caras. R.E.M., Pavement, Replacements ("Children by the million sing for Alex Chilton when he comes around"), Chris Cornell, e, PRINCIPALMENTE, o Teenage Fanclub (o Bandwagonesque inteiro veio do #1 Record, não há dúvidas...).
O mais interessante é que o Big Star é uma das poucas bandas que agradam igualmente dois tipos de ouvintes: os "alternativos" e os "tradicionais". Tanto fãs de Hüsker Dü quanto os de Fleetwood Mac já sorriram um bocado ouvindo este álbum. Bem, o Motörhead também é um dos reis de "agradar gregos e troianos", no caso dos metaleiros e punks. Mas aí é outra história.
Feel, Don't Lie To Me, In The Street, pauladas roqueiras "sem segredos nem frescuras". The Ballad Of El Goodoo, um dos melhores refrões já cantados. Thirteen, é uma das coisas mais emotivas e sinceras que eu já ouvi ("Won't you let me walk you home from school. ... Won't you tell your dad, "Get off my back". Tell him what we said about 'Paint It Black'. Rock 'n Roll is here to stay"). Essas letras poderiam soar um tanto clichê hoje em dia na mão dum bobão metido a artista, mas acredite em mim, Cat Stevens daria o braço esquerdo pra escrever algo tão emocionante e melancólico como essa música.
Try Again, um cruzamento de Buffalo Springfield com Flaming Lips, um slide celestial, sonolento (não no sentido daquele que dá sono, mas sim no sentido de... bom, vocês entenderam...), etc.. E não é que quando o Andy Hummell decide escrever uma musiquinha pro álbum ele simplismente ARREBENTA? The India Song é a música mais experimental do álbum, bem, na verdade, como eu disse antes, não há "experimentalismos" nesse álbum, mas essa faixa é tão peculiar no meio do álbum, com direito até à flautas quase-que-ripongas, que mereceu um destaque.
E pra fechar, a curtinha ST100/6, de apenas um minuto, como uma despedida cantada em coro pra que você não se esqueça dessa preciosidade que acabou de ouvir. E realmente, pode ser vista como uma despedida, pois este foi o primeiro e último álbum oficial do Big Star com a parceria Chilton/Bell. O segundo disco, de 1974, Radio City, é excelente também, porém, sabe quando falta uma coisinha ali e aqui quando comparamos ao passado? A banda se separou em 1975, e o terceiro (e mais sombrio) disco dos caras foi lançado em 1978. Tem gente que diz que o Third/Sister Lovers é o melhor álbum deles. Assim como o já citado Radio City. Pra tirar a dúvida você mesmo, só resta uma alternativa: ouvir todos. Depois vai contar pros seus colegas fãs do... bom, melhor deixar pra lá. hehe
Recomendo também o único disco solo do Chris Bell, I Am The Cosmos, lançado postumamente em 1992 (ele morreu tragicamente em 1978, num acidente de carro), gravado após sua saída do grupo. Depois de conferi-lo, percebe-se mais claramente o seu papel nas composições do #1 Record.

Essencialíssimo!

"I never travel far, without a little big star!"

Twin Peaks - Original Soundtrack (1990)

Trilha da alucinada série (que mais tarde viraria filme, Fire Walk With Me) do alucinado diretor David Lynch, com score do (razoavelmente alucinado) Angelo Badalamenti, que também trabalhou com Lynch no cultuado Blue Velvet.

Bem, o que temos aqui não é uma mera música instrumental, ambiental, artificial que era usada em grande parte dos enlatados americanos dos anos 70/80. Como eu disse, trata-se de alucinados, não é?
Começamos com o tema-título, nada de especial, apenas um tema-título como muitos outros, pra ouvir enquanto você se ajeita no sofá para ver a série. O que temas em seguida é um punhado de temas que só encontramos em filmes do Lynch, três deles, cantados pela voz de algodão doce da (também alucinada) Julee Cruise. Caso não se lembrem, ela chegou a substituir a Cindy Wilson nos B-52's, quando esta ficou grávida, no começo dos anos 90. Se tratam de músicas suaves, leves, que quase flutuam como plumas. Nightingale, fenomenal. Into The Night, matadora, um lullaby do demônio. E finalmente Falling, uma reprise cantada do tema-título Twin Peaks.
As instrumentais dividem-se em dois grupos, sonoramente falando. Um deles é o jazz, cool, cocktail lounge, film noir, suspense, baixo upright, detetives, saxofones misteriosos, dedos estalando, bla bla bla. Audrey's Dance, Freshly Squeezed, The Bookhouse Boys (a bateria está num clima completamente diferente do resto dos instrumentos, quase que solando, genial!), Night Life In Twin Peaks (a mais sinistra de todas) e Dance Of The Dream Man.
O outro grupo contém o tema-título, já mencionado, Laura Palmer's Dance que começa criando um clima tenso, de suspense (novidade!) e no meio transforma-se brilhantemente num tema romântico, quase que glorioso, para concluir com o tema detetivesco de novo. Esses dois climas contrastam novamente em Love Theme From Twin Peaks, que trata-se de uma reprise de Laura Palmer's Theme.

Concluindo, uma trilha espetacular, recomendada não apenas para apaixonados pelos filmes do David Lynch e por cinema em geral. Mas também para amantes da boa música.

Ah! Quase esqueci, há um episódio dos Simpsons que satiriza o Twin Peaks, em que Homer está vendo a série na tv, um unicórnio dança jazz com uma dama e um farol de trânsito aparece pendurado numa árvore. "Não estou entendendo nada mas adoro essa série!"